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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

IMAGENS DO AMOR OBSCURO EM
FEDERICO GARCÍA LORCA


 Kelly Fabíola Viana dos Santos
&
Sylvia Helena Cyntrão



INTRODUÇÃO

        Para Gilbert Durand, imaginário é o "conjunto das imagens e relações de imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens" (DURAND, 2012, p. 18). Com base em seus estudos é possível afirmar que imaginário é, portanto, a capacidade individual ou coletiva de dar sentido ao mundo. O símbolo é a maneira de se expressar o imaginário. Durand estabelece uma bipartição para a classificação das imagens simbólicas: o regime diurno e o regime noturno. O regime noturno refere-se a uma configuração de símbolos orquestrados por eufemismos e valores místicos. Neste regime as imagens favorecem as ideias de descida, trevas, profundidade, mas também remetem ao feminino, ao materno, ao sentimento de refúgio, repouso, intimidade, misticismo, nutrição e transformação. As imagens que prevalecem aí são de noite, sombras, monstros, conchas, abismos, terra, flores, árvores, peixes e os elementos terra e água. Ao se pensar os símbolos noturnos, a representação que se segue é a da descida e da intimidade.

        A sensação de refúgio e repouso que vem com o início da noite e sua evolução simbólica traz em destaque um aspecto geral sombrio e misterioso, levando a uma sensação de trevas. Esse simbolismo empregado ao regime noturno é associado por Durand ao sentido de abatimento, angústia e medo. Porém, há neste regime uma estrutura sintética de harmonização dos contrários, mesmo nas imagens mais nefastas e terrificantes. Daí que as trevas são, muitas vezes, sintetizadas à sensação de intimidade e repouso; as ameaças de possessão diabólica e os processos de magia, feitiçaria e superstições ao feminino, maternal. A vontade de harmonizar faz do regime noturno uma estrutura que concilia os contrários, ao mesmo tempo em que mantém constelações de imagens contrastantes.

        O regime diurno é caracterizado pelas antíteses, destacando-se as palavras como luz. Neste regime as imagens formam uma constelação em torno das ideias de luz e trevas. As imagens que prevalecem aqui são aquelas que representam verticalidade, ascensão, heroísmo, masculinidade, dominação, liberdade, iluminação. Os símbolos que se destacam neste regime são os de purificação, ascensão, separação, poder, razão. As imagens representativas deste regime são de cabeças, chifres, dentes, rei, guerreiros, cavalos, lobos, leões, pássaros, céu e os elementos fogo e ar. Ao se pensar os símbolos do regime diurno, a representação que se segue é a das antíteses, das metáforas e do maniqueísmo, da luta entre o bem e o mal, a ascensão do ser humano por meio da vitória contra a morte e um destino fatal. Entre as imagens mais importantes do regime diurno estão o sol e a água corrente, com seus sentidos oblíquos que permeiam entre o benfazejo e o destruidor. Ademais, o regime diurno das imagens caracteriza-se pela percepção da passagem do tempo, pelo medo, pela fuga, mas também pela busca da vitória sobre a fatalidade e a morte.

        Por meio deste estudo vamos analisar quatro poemas do poeta e dramaturgo Federico García Lorca, a saber: Soneto do amor obscuro, O amor dorme no peito do poeta, O poeta pede ao seu amor que lhe escreva e Soneto da grinalda de flores. A intenção é verificar as imagens que os poemas evocam de acordo com os regimes diurno e noturno propostos por Gilbert Durand em seu livro As estruturas antropológicas do imaginário.

        Por um lado, o regime diurno das imagens dialoga com a temática lorquiana, considerando-se que o desespero, a dor e a morte são temas recorrentes em suas obras. Por outro lado, o regime noturno, com imagens de trevas, repouso e intimidade, também aparece em suas obras sem que haja a exclusão de um pelo destaque do outro. Em Soneto do amor obscuro, as imagens características do regime diurno dão ao poema o tom de desgosto pelo medo da perda de um amor, mas ao mesmo tempo demonstram a esperança em sua concretização, embora se trate de amor interdito.

 

                SONETO DO AMOR OBSCURO

             O que temo é perder o encanto exposto
             em teus olhos de estátua, e assim o acento
             que à noite, ao me tocar, põe-me no rosto
             a solitária flor de teu alento.

             Nesta beira onde é meu desgosto
             ser um tronco sem ramas; e atormento-me
             não tendo a flor, argila ou polpa a gosto
             do íntimo verme de meu sofrimento.


             Se em mim és tesouro se ocultando,
             se és minha cruz e meu pesar molhado,
             se sou o cão o teu solar guardando,

             não tires o que é meu e me foi dado
             e põe sobre teu rio, decorando-o,
             folhas do meu outono alucinado.

 

         A imagem diurna do olho, que remete à intelectualidade e à moralidade, é justamente aquilo que o eu lírico teme perder, pois nos olhos encantados do ser amado sobre si reside a esperança da permanência desse amor que, para o eu lírico, é tesouro ocultado. Porém, o olho é também imagem isomorfa própria do sacrifício, em oblação. Nesse sentido, os olhos no poema não são olhos carnais, mas de estátua. Imagem diurna do olho sacrifical. A expressão "tronco sem ramos" traz o símbolo da verticalidade, característico do regime diurno. Entretanto, a imagem sacra da cruz apresenta uma convergência entre o divino (vertical) e o mundano (horizontal). Mas a imagem da cruz é seguida pela imagem do cão, o que revela a intenção de se ascender aquele amor ao nível de algo valioso, sacro, que portanto deve ser guardado fielmente pelo eu lírico na posição de cão de guarda. Mas a cruz é também o símbolo do sacrifício, que o eu lírico assume por fidelidade ao ser amado. Ele espera que essa fidelidade seja recíproca e evoca a imagem da água ao se referir ao seu "pesar molhado", ou seja, puro. "A água não só contém a pureza, como 'irradia a pureza'" (DURAND, 2012, p. 172). Entretanto, quando se trata do regime diurno, a "purificação" significa ruptura.

        A imagem da água aqui não tem o sentido de convergência, mas de separação, como a água de um rio que passa. De acordo com Durand, na perspectiva noturna há na imagem da água a "revalorização do espelho e do duplo" (2012, p. 208). Porém, quando se trata de regime diurno, a purificação pela água exige o rompimento com aquilo que é carnal e pecaminoso. O poema evoca, então, a imagem do rio como água que corre, que se vai e se transforma. Mas antes que essa água tão fugaz se transforme, o eu lírico pede que ele acolha sobre si suas folhas de outono alucinado, ou seja, as lembranças daquele amor. As folhas, o outono, por suas características cíclicas, sugerem a progressão, a esperança do eu lírico na renovação, em vez da ruptura. Analisamos ainda, conforme o regime diurno, o sofrimento devido à interdição do amor erótico, desejado pelo eu lírico, no poema O amor dorme no peito do poeta. Poema que traz as imagens diurnas do formigamento, da mordida, da asa, do cavalo e da luz em contraposição ao sentido do repouso, que, num primeiro momento, o poema tende a suscitar.

 

                O AMOR DORME NO PEITO DO POETA

                 Tu nunca entenderás o quanto te quero
                 porque dormes em mim e estás adormecido.
                 Eu te oculto chorando, perseguido
                 por uma voz de penetrante aço.

 Norma que agita igual carne e luzeiro
 traspassa já meu peito dolorido
 e as turvas palavras têm mordido
 as asas de teu espírito severo.

                 Grupo de gente salta nos jardins
                 esperando teu corpo e minha agonia
                 em cavalos de luz e verdes crinas.


                 Mas continua dormindo, vida minha.
                 Ouve meu sangue roto nos violinos!
                 Vê que nos espreitam ainda.

 

        Neste poema Lorca desenvolve uma constelação de imagens que evocam repouso espiritual, sensualidade e angústia mortal a girar em torno da desobediência à interdição do amor proibido. A agitação faz-se presente no poema por meio das imagens de carne e luzeiro, a carne representando a agitação erótica do enlace do amor proibido em contraposição à agitação do luzeiro, que representa a ameaça de se expor à luz o amor obscuro. O ser amado está adormecido, conformado, enquanto o eu lírico chora por ter de ocultar aquele amor em seu peito. O aço remete às armas cortantes que o eu lírico pressente lhe traspassar o peito devido à audácia de se permitir vivenciar aquele amor obscuro. E essa voz de aço, essas palavras de interdição são representadas como mordidas que detêm os amantes, interrompendo sua transcendência e ascensão, representadas pela

imagem da asa. Outra imagem diurna presente no poema é a do cavalo, que em diversas culturas representa a morte. "O cavalo é isomorfo das trevas e do inferno" (DURAND, 2012, p. 75). Seus algozes saltam nos jardins em cavalos

 

O AMOR DORME NO PEITO DO POETA

Tu nunca entenderás o quanto te quero

porque dormes em mim e estás adormecido.

Eu te oculto chorando, perseguido

por uma voz de penetrante aço.

 

Norma que agita igual carne e luzeiro

traspassa já meu peito dolorido

e as turvas palavras têm mordido

as asas de teu espírito severo.

 

Grupo de gente salta nos jardins

esperando teu corpo e minha agonia

em cavalos de luz e verdes crinas.

 

Mas continua dormindo, vida minha.

Ouve meu sangue roto nos violinos!

 

Neste poema Lorca desenvolve uma constelação de imagens que evocam repouso espiritual, sensualidade e angústia mortal a girar em torno da desobediência à interdição do amor proibido. A agitação faz-se presente no poema por meio das imagens de carne e luzeiro, a carne representando a agitação erótica do enlace do amor proibido em contraposição à agitação do luzeiro, que representa a ameaça de se expor à luz o amor obscuro. O ser amado está adormecido, conformado, enquanto o eu lírico chora por ter de ocultar aquele amor em seu peito. O aço remete às armas cortantes que o eu lírico pressente lhe traspassar o peito devido à audácia de se permitir vivenciar aquele amor obscuro. E essa voz de aço, essas palavras de interdição são representadas como mordidas que detêm os amantes, interrompendo sua transcendência e ascensão, representadas pela imagem da asa. Outra imagem diurna presente no poema é a do cavalo, que em diversas culturas representa a morte. "O cavalo é isomorfo das trevas e do inferno" (DURAND, 2012, p. 75). Seus algozes saltam nos jardins em cavalos de luz e verdes crinas. Durand nos lembra de que no apocalipse a morte cavalga um cavalo esverdeado (2012, p. 76). Ressalte-se ainda que há a antítese do cavalo (morte) e da luz (vida). E, apesar da agitação de se saber vigiado, o eu lírico retoma a imagem do repouso espiritual, lançando a um elemento distante, o violino, a angústia recorrente e antiga de saber que o espreitam para lhe derramar o sangue. A imagem do violino, simbolizando a música, que, conforme Durand, "[...] constitui também ela, um dominador do tempo" (2012, p. 336). Tempo que se vai tornando escasso para os amantes. Imagens que evocam aspectos sombrios, misteriosos, caóticos e, por vezes, aterrorizantes pertencem ao regime noturno. Imagens assim são percebidas no poema O poeta pede ao seu amor que lhe escreva. Nota-se que a angústia e o desespero neste poema, embora intensos, são suavizados por imagens que expressam eufemismos.

 

 

O POETA PEDE AO SEU AMOR QUE LHE ESCREVA

 

Amor de minhas entranhas, morte viva,
        em vão espero tua palavra escrita
        e penso, com a flor que se murcha,
        que se vivo sem mim quero perder-te.

 

O ar é imortal. A pedra inerte
        nem conhece a sombra nem a evita.
        Coração interior não necessita
        o mel gelado que a lua verte.

 

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
        tigre e pomba, sobre tua cintura
        em duelo de mordiscos e açucenas.

        Enche, pois, de palavras minha loucura
        ou deixa-me viver em minha serena
        noite da alma para sempre escura.

 

       

        Já no primeiro verso é possível perceber o elemento feminino do regime noturno com o verso "amor de minhas entranhas", atribuindo ao seu amor obscuro intensidade inerente ao amor materno. A seguir, o uso do eufemismo, com sua linguagem  traz a expressão "morte viva".    O eu lírico espera a

exposição do sentimento do ser amado por meio da escrita, mas

de forma sombria e caótica associa essa vã espera à flor que se

murcha. Aspectos de sombras e de noite permeiam o poema. O

ar, elemento que representa o patriarcado, é imortal, enquanto

a pedra, elemento filosofal, é indiferente. Verifica-se uma harmonização dos contrários, ar e pedra, em que a predominância ocorre pela imortalidade do elemento patriarcal, o ar. Segue então o poema, com a imagem noturna que evoca o verter do mel, alimento arquétipo frequente que suscita o erotismo do amor proibido. Entretanto, reside aí também um eufemismo, pois a lua, símbolo da morte, é que verte o mel gelado do qual o coração interior não necessita. O sofrimento do poeta em esperar a palavra escrita de seu amor é representado pela expressão "rasguei-me as veias". O poeta pôs-se a sangrar, remetendo, mais uma vez, ao elemento feminino. E, seguindo-se imagens fragmentadas, há a representação do tigre e da pomba, símbolo animal díspare entre a agressividade e o apaziguamento, mas no final se trata de um duelo de flores.

O poeta deseja que seu amor lhe escreva, expondo assim o amor obscuro. Caso contrário, o poeta alude a uma noite serena, mas sempre escura, de sua alma. O poema Soneto da grinalda de flores também destaca o regime noturno, com imagens de flores e plantas que representam fertilidade, abundância e transformação. A constelação que se forma neste poema é a dos ciclos, pela passagem do tempo, pela destruição, mas também pela musicalidade, carregada de gestos sensuais.

 

SONETO DA GRINALDA DE FLORES

Essa grinalda! Pronto! Estou morrendo!
Tece depressa! Canta! Geme! Canta!
Que a sombra me enturva a garganta
E outra vez e mil a luz de janeiro.

 

Entre o que me queres e te quero,
Ar de estrelas e tremor de planta,
Espessura de anêmona levanta
Com escuro gemer um ano inteiro.

Goza a fresca paisagem da minha ferida, Quebra juncos e arroios delicados.
Bebe em coxa de mel sangue vertido.

 

Porém, pronto! Que unidos, enlaçados,
Boca rota de amor e alma mordida,
O tempo nos encontre destroçados.

 

 

           O eu lírico pede que se teça depressa uma grinalda, pois ele está morrendo. Novamente é perceptível o regime noturno, com imagens sombrias, mas trazendo o tema da morte por meio de eufemismos. A sombra de um destino nefasto ameaça calar-lhe o canto e, como em inúmeras outras vezes, apagar-lhe a luz do porvir. Há a consciência da morte iminente, mas as imagens das flores e da luz amenizam a crueza desse destino. As expressões "canta" e "geme" explicitam a constelação formada pela música e pela sexualidade. O querer dos amantes paira entre o ar de estrelas e o tremor de plantas, sendo o ar e as estrelas representantes do patriarcado, em oposição às plantas, representantes do elemento cíclico, feminino. E segue recorrendo a elementos da natureza como expressão de eufemismo para sua ferida, associada a uma "paisagem fresca". Possivelmente a grinalda será feita de juncos, planta florescente, nutritiva e medicinal, mas comumente confundida com ervas daninhas, imagem do amor obscuro pelo qual morre o eu lírico. A imagem noturna das substâncias e dos alimentos é requisitada neste poema para referir-se ao mel sobre a coxa do amante (alimento erótico), o lugar onde o sangue também é vertido, por se tratar de um amor interdito, sujeito a perseguições de morte. Para Durand, o alimento está associado à sexualidade.

           O gesto da nutrição: "bebe em coxa de mel sangue vertido" está ligado também à amamentação, revelando o desejo de se nutrir o amor obscuro. E aqui, coerente com o regime noturno, o final não remete à vitória ou ao heroísmo, mas à fatalidade, eufemizada pelas imagens de plantas, que suscitam a temporalidade cíclica e o mito do eterno retorno.

 

CONCLUSÃO

 

De onde surgem as imagens evocadas pelos poetas em seus

poemas? De acordo com Durand, poder-se-ia dizer que "o símbolo [...] possui algo mais que um sentido artificialmente dado e detém um essencial e espontâneo poder de repercussão" (2012, p. 31). Seu estudo dos arquétipos da imaginação humana está aí fundamentado. Propõe uma bipartição para a classificação das imagens: o regime diurno e o regime noturno. Contrariando alguns estudos acerca do imaginário que destacam aspectos de recalcamentos de sua manifestação, Durand pensa o imaginário como forma de libertação. A angústia em decorrência da consciência da passagem do tempo e o medo da morte propiciam a formação do imaginário, por meio do qual o ser humano procura libertar-se. As reações a essa angústia e medo podem ocorrer de forma heroica (pela luta – regime diurno) ou eufemizada (de forma mística – regime noturno), sendo possível ainda a ocorrência de uma conciliação entre essas duas formas, a dramática.

 

                Nos quatro poemas aqui analisados pudemos perceber que a angústia do eu lírico em ter de ocultar seu amor, enquanto o tempo passa e a morte se aproxima, é polarizada em imagens diurnas e noturnas. Nos dois primeiros poemas destacamos as imagens diurnas, que representam o desejo de valorização e ascensão do Lorca Total amor obscuro. Nos dois últimos as imagens noturnas se destacam, a esperança de ascensão do amor obscuro é esmaecida, dando lugar ao aspecto místico e sintético dos ciclos, representado pelo simbolismo das flores, das plantas e do feminino.

 

REFERÊNCIAS

 

DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

LORCA, Federico García. Obra poética completa. Brasília: Editora da UnB, 2004.

LORCA, Federico García. Sonetos do amor obscuro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

 



 

 

 
 
 
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